
Rui Pires
DOCUMENTARY PHOTOGRAPHY CULTURAL ANTHROPOLOGY Aveiro - PORTUGAL
Mazagão
Mazagan - El Jadida - Marrocos
A “Praça-forte de Mazagão” localizava-se em Mazagão, atual El Jadida, na província de mesmo nome, região de Doukkala-Abda, no Marrocos. Entre o início do século XV e meados do século XVIII foi uma possessão portuguesa. Desse período, os monumentos que chegaram até aos nossos dias são a antiga fortificação com suas muralhas e baluartes - exemplo precoce da arquitetura militar portuguesa do Renascimento -, a sua monumental cisterna, e a Igreja de Nossa Senhora da Assunção, em estilo manuelino. Esse conjunto oferece um exemplo excepcional das influências recíprocas entre a cultura europeia e a marroquina. Em 30 de junho de 2004, durante a 28ª sessão do Comité do Património Mundial, em Suzhou, na China, a povoação de El Jadida foi inscrita na lista do Património Mundial da UNESCO.
O seu local pode corresponder a uma das sete colónias fundadas pelo almirante Hanão em meados do século V a.C., denominada "Rusbis". Este local também se encontra referido pelo Políbio em 150 a.C., e pelo geógrafo Ptolemeu, conforme Plínio, o velho, sob a designação de "Portus Rutilis". No início do século XVI, os portugueses ali encontraram os restos de uma pequena torre abandonada, primitivamente utilizada como posto de vigia, denominado "El Brija" diminuitivo de "Borj". Durante a construção da primeira cidadela, os portugueses aproveitaram-na, denominando a nova estrutura de "Castelo Real". A cidadela ao seu abrigo foi colocada primitivamente sob a invocação de São Jorge. A origem da toponímia "Mazagão" é controversa. João de Sousa afirma que o nome provem da expressão em língua árabe "El ma Skhoun", com o sentido de "água quente", enquanto André Privé supõe que a palavra é de origem portuguesa. A versão mais plausível é que o nome seja de origem berbere uma vez que se encontra registado pelo geógrafo Muhammad Al-Idrisi, no século XI, o nome original pronunciado como "Mazergan" com o significado de "amolar". Após a sua destruição, em meados do século XVIII foi denominada de "Al Mahdouma", ou seja "a demolida", e mais tarde reconstruída vindo a ser denominada de "el Jadida" ("a nova").


O Final De Mazagão
No século XVII, a fortaleza de Mazagão era composta por mais de setecentas casas e os seus habitantes eram divididos em dois grupos : os fronteiros, que permaneciam no local por aproximadamente quatro anos e os locais, que residiam permanentemente na cidade.
Os fronteiros eram oriundos das famílias fidalgas demonstrando uma situação financeira mais confortável do que a da maioria dos moradores. Estes, por sua vez, não possuíam grandes recursos e destacavam-se pelas vitórias contra os mouros ou pelos serviços que prestavam aos fronteiros. A cidade de Mazagão tambem foi local de degredo e ao mesmo tempo local de acolhida de muitos migrantes das Ilhas do Açores.
A vida em Mazagão nunca foi fácil, as escaramuças com os lideres mouros eram constantes, a cidade vivia permanentemente em estado de alerta e os ataques aconteciam dia após dia. Era uma “ilha” cristã num oceano muçulmano. Os custos com a defesa da cidade eram enormes. Entretanto, dando-se o terramoto de 1755, o fluxo de viveres para a população e dinheiro para pagar aos soldados diminuiu drasticamente, a prioridade do Reino era reconstruir Lisboa. Tornou-se evidente a falta de recursos para manter a defesa da região. Além disso, as monótonas e repetitivas operações militares geravam problemas internos. As idas aos campos, sempre com acompanhamento militar, eram uma constante e a população respirava e vivia num ambiente de instabilidade. Restava aos moradores poucas formas de sociabilidade. Apesar de a ocupação perdurar por mais de duzentos anos, os combates com os mouros não diminuíam, mesmo com algumas práticas comerciais entre os cidadãos de Mazagão e os mouros.
Além disso, a falta de recursos favorecia o surgimento de epidemias em grandes proporções e, consequentemente, a mortandade entre os habitantes. O terremoto de 1º de Novembro de 1755, que destruiu boa parte de Lisboa e que abalou fortemente o norte da África tambem causou alterações na cidade de Mazagão. A reconstrução da cidade e dos edifícios públicos comprometeu as finanças públicas e o controle das despesas. O déficit impossibilitava investimentos sempre necessários nomeadamente na reconstruição da fortaleza após os múltiplos ataques.


Defender Mazagão implicava custos exorbitantes e naquela altura, era preferível investir na defesa da nossa costa do Brasil, cuja exploração do ouro garantia a captação de recursos para a Coroa Portuguesa. Por volta de 1760, a crise agravou-se, ameaçando a população de Mazagão, que reivindicava constantemente ao Rei mais recursos para a garantia da sobrevivência e mais equipamentos militares para se defenderem. Faltavam materiais para reparar as fortificações, os alimentos disponíveis eram insuficientes e às vezes chegavam deteriorados. A fome era uma constante, a epidemia avançava e o futuro era incerto, na medida em que os recursos vindos de Lisboa eram exíguos.
Além disso, o confronto com os mouros intensificou-se. Em face das condições, Sebastião José de Carvalho e Melo analisou a conjuntura do Império Português, levando em consideração os relatórios do governador de Mazagão, D. Vasques da Cunha. Este nos seus relatórios salientava a penúria em que vivia a população sem possibilidade de melhorias. Aliado a este problema, havia muitos oficiais insubordinados, devido ao atraso ou à falta do pagamento do soldo. Na verdade, Mazagão estava-se a tornar um fardo para a Coroa Portuguesa, representando pouco ou quase nada para o vasto império colonial lusitano. A solução mais conveniente era o abandono desta nossa praça-forte.
Em 1763, D. Vasques da Cunha é substituído por Dinis Gregório de Melo Castro de Mendonça, sobrinho do Marquês de Pombal e tem início um novo momento para Mazagão. O novo governador ao chegar à região confirmou todos os problemas apresentados pelo seu antecessor. Entre 1764 e 1768 a crise aumentou, chegando a condições insustentáveis, frente à pressão que os mouros exerciam sobre a fortaleza. Apesar das acções do Marquês de Pombal, enviando embarcações e dinheiro, a perda de Mazagão para os chefes árabes parecia certa. Além de homens, animais e uma artilharia potente, os mouros contavam com a incapacidade do governador em lidar com a situação de conflito. Em Janeiro de 1769, o Sultão Mulay Mohamed exigia de Dinis Gregório de Melo Castro de Mendonça a entrega das chaves da cidade, lançando sobre a fortaleza uma grande quantidade de bombas.


No começo de Fevereiro partiram de Lisboa embarcações com homens e armamentos para auxiliarem na defesa do local, levando a ordem do Rei para que Mazagão fosse abandonada o mais breve possível. Os argumentos apresentados para esta decisão eram conhecidos há muito tempo. Mazagão não atendia mais aos interesses comerciais, marítimos, administrativos e religiosos de Portugal.
Não havia condições adequadas para se desenvolver nenhum tipo de actividade rentável que justificasse uma política nova e a fortificação tornara-se objecto de elevadas despesas para o reino. A população não acatou a decisão do Marquês de Pombal de evacuar Mazagão e revoltou-se. A lendária Praça-forte de Mazagão chegava ao fim. Para os locais o abandono era uma derrota vergonhosa, inaceitável para muitos. Contudo a determinação do Marquês era irrevogável e a mais sensata em face das condições da cidade.
E o nosso Marquês de Pombal sabia bem o significado da palavra "irrevogável". Inicia-se então o abandono de Mazagão segundo as directivas de Lisboa emanadas em decreto-Real. Crianças e mulheres deveriam ser embarcadas antes dos homens mais jovens. O documento definia o embarque das imagens sagradas e dos ornamentos das igrejas, arte sacra e objectos como móveis que fossem possíveis de carregar. Da mesma maneira, a artilharia deveria ser embarcada e o restante seria destruído ou lançado ao mar, para que os mouros não fizessem usos dos nossos equipamentos.
Mulay Mohamed, o Sultão estabeleceu com as autoridades Portuguesas um período de trégua de três dias para o embarque da população. No entanto, os moradores revoltados pela evacuação destruíram as suas antigas habitações e queimaram todos os objectos que não podiam levar consigo. Em três dias Mazagão fica reduzida a um monte de escombros fumegantes. Laurent Vidal escreveu : “Não havia espaço que não estivesse cheio de recordações: uma pedra, a esquina de uma rua, um largo ... Os Mazaganenses formavam um corpo com seus muros. Defendê-los era a sua razão de viver e de esperar. Muitos deles não imaginavam qualquer destino fora dos muros da fortaleza.”
A população de Mazagão composta de aproximadamente 2.000 pessoas deixou o litoral Marroquino, tendo como objectivo final seguir para uma nova terra. A cidade morria para renascer como Fénix do outro lado do Atlântico. No entanto, todos os habitantes de Mazagão são levados para Lisboa, até se decidir o seu destino. Ficam na capital do Império durante 8 meses. O choque cultural entre a população de Mazagão e os de Lisboa foi grande. Em 15 de Setembro de 1769, após o Marquês de Pombal definir meticulosamente o destino desta gente de Mazagão, uma esquadra parte com os Mazaganenses para o Brasil.
Os navios foram carregados com martelos, facas, folhas de serra, limas, fechaduras, enxadas, tesouras, pólvora, espingardas, entre outros recursos para viabilizar o estabelecimento da Nova Mazagão. Nas embarcações seguiam também os objectos que davam identidade ao vínculo religioso. A imagem de Nossa Senhora da Assunção, de Cristo morto, da Paixão de Cristo, de São Pedro, do Arcanjo Miguel, de São Francisco, de Santo António, de Santa Bárbara, de Nossa Senhora da Conceição, de Santa Ana e outros objectos do culto religioso foram devidamente embarcados. Tudo objectos religiosos oriundos da antiga Mazagão e que serviriam de semente e identidade cultural e religiosa no novo local, a Nova Mazagão, criada oficialmente em 23 de Janeiro de 1770, no Brasil. Renascia a Fénix