
Rui Pires
DOCUMENTARY PHOTOGRAPHY CULTURAL ANTHROPOLOGY Aveiro - PORTUGAL
Cochim
(Kochi, India)
DOM VASCO DA GAMA, ANNO DE 1503
COMO A ARMADA CHEGOU A COCHYM, E O CAPITÃO MOR SE VIO COM O REY
Partio a armada de Calecut pera Cochym : o Capitão mór foy fazendo quanto mal pode no que achou polo mar, porque os bateis armados corrião ao longo da praya, que era toda limpa, e assi as caravelas , com que foy sorgir na barra , onde logo da feitoria veo o feitor Gil Fernandez Barbosa, e Lourenço Moreno escrivâo, e os Portuguezes, que a todos o Capitão mór recebeo com honras e prazeres, todos contando as muytas bondades de El Rey de Cochym, com tantas firmezas de boa amizade, onde logo veo visitação, que EI Rey mandou ao Capitão mór per hum seu Naire, de que o Capitão mór lhe mandou seus grandes agradecimentos. E o feitor se foy a terra, e mandou pilotos da barra , com que o Capitão mór embarcado nas caravelas e navios pequenos e bateis, tudo á vela com bandeiras e muytas naos com os doze pageres carregados indo o feitor deu a EI Rey por mandado do Capitão mór, com que muyto folgou.


Cochim, hoje Kochi, na Índia foi um dos marcos da expansão Portuguesa na costa do Malabar. Durante o primeiro quartel do séc. XVI tornou-se uma das principais fontes de fornecimento de especiarias da carreira da Índia.
A costa do Malabar foi e ainda hoje é uma das grandes fontes de produção de especiarias, nomeadamente a pimenta, representando na altura um dos principais pontos de comércio para toda a Ásia.
No estado o Kerala distribui-se um largo património arquitectónico de influência portuguesa. Nas costas do Malabar, mas também no interior do Kerala, subsistem igrejas, casas, escolas e uma arquitectura civil que atesta a presença portuguesa através de uma profunda influência que a posterior ocupação holandesa e inglesa não conseguiu apagar.
O estado de Kerala é uma extensa faixa de território ao longo da costa do Malabar, entre o mar e a cordilheira Gates. Durante as monções, as correntes húmidas vindas do mar causam chuvas diluvianas. Essas águas vindas das montanhas fluem numa infinidade de rios que se juntam perto da costa numa infinidade de bacias hidrográficas ligadas entre si, um sem fim de lagos e canais que dotam o território de um ambiente lacustre enquadrado por uma paisagem luxuriante. A cultura intensiva da pimenta vem acrescentar a esta autonomia, para além da auto-suficiência económica, uma componente cosmopolita, pelos intensos contactos intercontinentais que se desenvolvem desde a antiguidade clássica para negociar aquela especiaria.
As referências de Plínio e Ptolomeu confirmam-no de longa data, designando esta região como a “terra da pimenta”. Desde o século VII, as fontes chinesas referem este circuitos comerciais, nos seus roteiros de viagens, permitindo desenhar as ramificações de um comércio que se estendia do Mediterrâneo ao Pacífico.
O Kerala, até ao século XIX, apresentou-se, na sua especificidade, como uma região onde durante mais de um milénio pontuaram uma infinidade de pequenos e grandes príncipes que se degladiavam continuamente pelo alargamento dos seus territórios e por uma supremacia sobre as outras linhas dinásticas. Desta trama geopolítica emergia um pequeno número de reinos de maior envergadura cujas dinastias se reclamavam como descendentes do mítico imperador Cheraman Perumal.
Os seus territórios eram fluidos, pois assentavam em domínios de príncipes e grandes senhores tributários, cuja dependência era, muitas vezes, mais nominal que efectiva e variava conforme a dinâmica interna de cada família dinástica. Entre os principais soberanos da região sobressaíam os Rajás de Venad (Travancor) que se consideravam os verdadeiros representantes dos antigos imperadores da dinastia Chera (Cheram). O seu território abrangia o Sul do Kerala que se extendeu para a costa do Coromandel no actual território do Tamil Nadu. A documentação portuguesa do século XVI destaca-o dos outros monarcas designando-o, significativamente, como o “rei grande”.
Em 1311 o Sul da Índia é invadido pelas tropas muçulmanas que descem de Delhi a toda a península do Indostão, pilhando a cidade de Madurai e tomando o rei Parakrama Pandya como refém. O reino de Travancor, consegue manter uma certa autonomia face aos invasores sendo as principais divindades da região recolhidas nos templos de Coulão. Estas invasões provocam uma forte reação anti-islâmica que acabará por se polarizar em torno dos rajás de Vijayanagar.
Com um território que se estendia de costa a costa, na região central da península Indostânica, durante os séculos XIV a XVI, o império de Vijayanagar irá funcionar como a grande frente de oposição ao poder dos sultanatos islâmicos do Decão fortalecido com a aceitação tácita e apoio dos pequenos reinos situados no sul da península. Nos inícios do século XVI a cidade de Cananor autonomiza-se sob a égide de uma família real islâmica; os Ali Raja.
Os Ali Raja ganham importância, sobretudo, pela posse das Ilhas Maldivas e pelo intenso comércio que irradia de Cananor. Imediatamente a sul estabelecia-se o reino do Samorim, com capital em Calecute. Na sua zona de influência situava-se, mais a Sul, o pequeno reino de Cranganor que fazia fronteira com o de Cochim.
Coulão e Cranganor contavam com a presença dos chamados cristãos de São Tomé. A comprovar a presença dos cristãos do Malabar nas actividades comerciais, em 851, o autor islâmico da "Relação da China e Índia" queixava-se de não encontrar companheiros de fé, afirmando, relativamente a Coulão, que os cristãos dominavam todo o comércio marítimo. Estas comunidades, que dominavam o comércio internacional da exportação de pimenta, começam a sofrer, a partir do século XIII, a concorrência de diversos grupos de mercadores islâmicos que, no século XV, acabam por dominar todo o comércio do Índico, denominads pelos portugueses por “mouros de Meca”, actuavam a partir de cidades do Médio Oriente, como Aden, Juda e Ormuz e mantinham-se cultural e económicamente vinculado aos seus países de origem.
A chegada ao Kerala dos portugueses, nos primeiros anos do século XVI irá alterar todo o jogo de forças vigente. Os rajás de Cochim vão recorrer-se de uma nova aliança com os estrangeiros para impor as vantagens estratégicas da sua cidade face a Calecute, e os portugueses, por seu lado, instalam na cidade o seu primeiro grande centro de operações.
Os portugueses apresentavam-se uma importante vantagem: uma armada moderna extremamente avançada em técnicas de artilharia e com uma larga experiência de combates no Norte de África.
Contra a imediata resistência das comunidades islâmicas, à sua intromissão, as forças portuguesas respondem com a artilharia, tentando encontrar apoios no terreno por parte dos reinos hindus.
Desenrola-se, assim, um processo de guerras, alianças, conquistas, acordos e tratados que, permitindo em certos momentos o controlo de todo o Índico pelos portugueses, nunca deixará de assumir uma tonalidade conflituosa.
Para acabar com a hegemonia de Calicute, em 1500, o rajá de Cochim acolheu favoravelmente a armada de Pedro Álvares Cabral. Esta armada fora enviada à Índia com o objectivo de firmar relações comerciais permanentes no Índico através da instalação de uma feitoria em Calicute. Este desígnio fora gorado pela oposição dos mercadores muçulmanos desta cidade que, com a conivência do soberano de Calicute, o Samorim, que atacaram e destruíram a feitoria portuguesa.
A armada de Pedro Álvares Cabral acabou por rumar a Cochim, onde pode abastecer-se de especiarias e estabelecer relações comerciais duradouras com o soberano. À cooperação entre Cochim e os Portugueses não pode deixar de se opor o Samorim, que via a sua hegemonia sobre o comércio de especiarias posta em causa.
O Samorim de Calicute lançou, em Abril de 1503, uma ofensiva militar contra Cochim, que rapidamente sucumbiu perante o ataque, vendo-se os Portugueses obrigados a acompanhar o rajá de Cochim na retirada para a segurança da ilha sagrada de Vaipim.
A chegada, em Setembro desse ano, das armadas de Francisco e Afonso de Albuquerque permitiu recuperar o controlo da cidade, tendo sido decidida a construção de uma fortaleza (forte Manuel) e a instalação de uma guarnição portuguesa sob o comando de Duarte Pacheco Pereira. Junto desta fortaleza foi também erigida a primeira igreja construída pelos portugueses na Índia. No entanto, os conflitos com as forças do Samorim de Calicute mantiveram-se até ao final de 1504, quando os defensores lportugueses e os aliados hindus de Cochim puderam contar com o apoio da armada de Lopo Soares de Albergaria e derrotar decisivamente o inimigo.
Os anos seguintes assistiram à estruturação da presença oficial portuguesa no Oriente. Com a chegada do primeiro vice-rei, D. Francisco de Almeida, em 1505, Cochim assumiu um papel central na administração do Estado Português da Índia.
Os constantes ataques dos Holandeses à navegação portuguesa, e os momentos de bloqueio que estes impuseram ao porto de Cochim, durante o séc. XVII e a concorrência com Goa, marcaram a decadência da cidade. Na segunda metade do século XVII, após a queda de várias praças da costa do Malabar e também do Ceilão para os Holandeses, Cochim acabou por representar a última perda portuguesa no conflito, apenas tendo sido tomada em 7 de Janeiro de 1663, após um cerco de alguns meses.
Apesar desta data marcar o fim da presença oficial portuguesa em Cochim mantiveram-se até à actualidade traços desta mesma presença, através da permanência de uma comunidade católica, com origem nos casados portugueses. A esta comunidade encontra-se associado um crioulo luso-indiano, do qual apenas subsistem alguns, parcos, vestígios.


A história da Basílica da Catedral de Santa Cruz começa com a chegada de missionários portugueses integrados na segunda frota portuguesa sob o comando de Pedro Álvares Cabral, em 24 de dezembro de 1500. O Rei Unni Goda Varma Tirumulpadu (Trimumpara Raja) do Reino de Cochin recebeu-os calorosamente. Isso fez com que o Zamorin de Calecute declarasse guerra ao Reino de Cochim. Mas o exército português, comandado por Dom Afonso de Albuquerque, que chegou a Cochim em 1503, derrotou os inimigos do rei de Cochim e, em troca, este deu-lhes permissão para construir um forte em Kochi. Em 1505, dom Francisco de Almeida, o primeiro vice-rei português, obteve permissão do Kochi Raja para construir uma igreja usando pedras e argamassa, o que era inédito na época, pois os preconceitos locais eram contra tal estrutura para qualquer outro fim que não um palácio real ou um templo. A pedra fundamental da igreja de Santa Cruz foi colocada em 3 de maio de 1505, o dia da festa Santa Cruz, daí advem o nome da Catedral Basílica de Santa Cruz. A basílica hospeda a Relíquia da Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.


Em compensação pelos serviços prestados os portugueses obtiveram permissão para construir uma fortaleza em Cochim (Cochim de Baixo), que seria o primeiro assentamento europeu na Índia e ponto de partida para a expansão do Império Português no Oriente. A cidade permaneceu como capital da Índia Portuguesa até 1530, quando os portugueses elegeram Goa como capital. O chamado “Castelo Manuel” foi iniciado pelas forças de Albuquerque em 26 de setembro do mesmo ano, em lugar da primitiva paliçada de madeira que protegia a feitoria portuguesa. A fortaleza localizava-se no lado esquerdo da ilha, tendo à frente a Sé e a igreja de São Francisco, única estrutura que subsiste até nossos dias.


Na igreja de S. Francisco, construída em 1503 por portugueses e considerada a mais antiga igreja europeia da Índia, o túmulo de Vasco da Gama atrai um grande número de turistas. Vasco da Gama desembarcou na costa indiana pela primeira vez em 1498. O navegador morreu e foi sepultado em Cochim em 1524. Os seus restos mortais foram transladados para o Mosteiro dos Jerónimos décadas mais tarde, mas o túmulo vazio foi preservado na igreja de S. Francisco e permanece uma das atrações turísticas de Cochim.
"Vestido com ricas roupas de seda, é enterrado no Convento de Santo António dessa cidade, coberto com o manto de cavaleiro da Ordem de Cristo. Catorze anos depois, será trasladado para Portugal, para o Convento de Nossa Senhora das Relíquias da Vidigueira, onde instituíra uma capela, confirmada pelo rei D. João III, nas vésperas de sua partida"
(Luís Adão da Fonseca, Vasco da Gama: o Homem, a Viagem, a Época, Lisboa: Expo 98, 78)